Cronicas Reflexas: Regresso a Casa?
Para uma melhor compreensão é aconselhada a leitura do conto A Casa dos Ecos.
Regresso a Casa?
Voltar a um lugar onde já fomos felizes pode trazer tanto alegria quanto melancolia. Cada canto evoca uma lembrança, cada ruína conta uma história do que já fomos. Mas será que podemos realmente regressar? Ou, ao voltar, encontramos apenas fragmentos do passado e não o lar que um dia conhecemos?
" Até ali, havia sido apenas uma fotografia guardada; uma simples reminiscência. Agora, que a realidade se impunha de uma maneira tão crua, as imagens eram escoltadas por uma miríade de emoções. Jurara a si mesmo que nunca mais voltaria, mas aquele lugar sugara-o de volta. Como um buraco negro, devorador de luz, um único segundo bastou para que a mágoa ressuscitasse."
No conto “A Casa dos Ecos”, João retorna à sua aldeia natal após vinte anos de ausência. As ruas vazias, as casas empoeiradas, a sensação de estar num mundo suspenso entre o passado e o presente criam um ambiente quase irreal. Mas a verdadeira viagem não é aquela que se faz com os pés, e sim com o coração. Ao revisitar os locais onde viveu, ele é confrontado com a presença da esposa que perdeu. Não sabe se é uma ilusão, um fantasma ou apenas a sua memória a pregar-lhe partidas. No fundo, isso pouco importa. O essencial é a emoção que o assalta: saudade, culpa, amor e a necessidade de despedida.
O Peso do Passado
Como João se move dentro da aldeia reflete o percurso interno da sua dor. Voltar à casa onde viveu é também abrir a porta às feridas que nunca cicatrizaram. E quantos de nós não carregamos esses lugares dentro de nós?
Não são precisos incêndios para transformar uma casa em ruína; o tempo e o esquecimento cumprem essa função sem pressa. Mas será que, tal como João, também nós ficamos presos a esses escombros emocionais?
Se a vida segue num sentido único e imparável, isso não significa que o nosso mundo mental e emocional acompanhe esse ritmo. Os dias avançam, mas, por vezes, os seus fios entrelaçam-se em nós de tal forma que nos imobilizam.
Escolher Avançar
Há um momento inevitável na vida em que temos de escolher: permanecer nos destroços ou avançar. João encontra essa resposta no fim da sua jornada. Ao sair da aldeia, percebe que tudo já tinha sido consumido pelo fogo. O que procurava nunca esteve realmente ali — ou melhor, já não existia senão dentro dele. E assim, finalmente, parte.
Atrevo-me a dizer que, na maioria das vezes, somos prisioneiros daquilo que foi e reféns do que poderia ter sido. Ainda que seja difícil, acredito que temos o poder de inverter esse processo.
Quantas vezes nos prendemos a algo que já não existe? Há um certo grau de conforto em permanecer dentro de limites ou sensações que transportamos, por vezes, há décadas. Questiono, contudo, a validade de escolher viver numa ilusão em detrimento de vivenciar uma vida de vastas possibilidades.
Desprender para avançar, desprender para voltar a aprender, desprender para redescobrir.
A verdadeira casa é aquela que construímos em nós. A aceitação de quem fomos e daquilo que passamos é, sem dúvida, essencial para descobrirmos aquilo em que nos tornamos. Penso que a verdadeira liberdade passa por esse processo.
É uma escolha dura, mas necessária. No fim das contas, por vezes, seguir é a única opção que nos resta.
E tu? Alguma vez voltaste a um lugar ou tentaste reviver algo apenas para perceber que era tempo de avançar?
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